Mulher curada, mulher missionária
“Eu te bendigo, Senhor, a ti que me fizeste melhor!”
Todos somos feridos na nossa identidade. A grande cura só aconteceu quando comecei a aceitar que era mulher, quando pude dar graças a Deus por ser mulher: Traços, órgãos genitais, etc…
Gostaria de contar-lhes o meu testemunho. Sou primeira filha de uma família de 3 irmãos. Quando minha mãe estava grávida, meu pai queria que eu fosse um filho homem. Daí começou a grande ferida de não ser aceita; quando nasci meu pai não me deu muita atenção. Logo com o nascimento do segundo filho que foi homem meu pai se alegrou e colocou até o seu próprio nome no meu irmão.
Fui crescendo com essas feridas na minha identidade. Não aceitava ser mulher, por isso gostava de tudo que fosse serviço de homem. Quando criança gostava de jogar futebol, lavar carro, gostava de dirigir carros. Logo que aprendi a dirigir, como morávamos numa cidade do interior e meu pai tinha fazenda, aprendi a dirigir caminhão, sempre quis chamar a atenção do meu pai, queria agradá-lo, provar que existia, queria ser notada por ele.
Serviço de mulher, como lavar louça, arrumar casa, cozinhar tudo isso eu detestava, e para ajudar, minha mãe com suas frustrações de nunca ter trabalhado fora dizia que fogão e tanque não davam futuro a ninguém, me incentivava a estudar, a ser independente. Com tudo isso foi sendo gerado em mim uma grande perversão na minha Identidade de mulher.
Chegou o tempo do casamento, e toda mulher quer se casar, ter uma casa e filhos para cuidar, eis ai o grande conflito, como eu detestava cozinhar, lavar, passar, arrumar… ufa que coisa chata!
Com isso me envolvi no mundo do trabalho, sou formada em Educação Física com especialização em natação e hidroginástica; chegava a dar 13 aulas por dia para não ficar em casa. Tudo o que envolvesse trabalho fora de casa era comigo mesmo, até trabalhos na igreja (comunidade).
Ao longo da caminhada de fé, Jesus me chamou a me consagrar, a dar a minha vida a Ele no carisma de resgatar a família na comunidade Católica Sagrada Família onde faço parte há 11 anos e sou consagrada há 6 anos e missionária há 2. E dando a minha vida fui enviada de São Paulo onde tinha empregada, não colocava a mão em nada dentro da minha casa, para Palmas no Tocantins, onde passei a não ter empregada e me vi obrigada a fazer tudo numa casa. Imagine os primeiros meses, que infelicidade. A casa para limpar, comida para fazer, roupas para lavar e passar e ainda tinha a missão.
Como estive envolvida no mundo do trabalho por 13 anos, sentia que havia algo errado dentro de mim, alguma coisa não estava bem encaixada, algo estava fora do lugar, foi aí que, fazendo um percurso de antropologia pude aprender sobre a graça de ser mulher.
E a primeira graça de ser mulher é ser mãe, eis a primeira vocação da mulher: ser mãe. Na passagem de João 19, 25-27 vemos Jesus dizendo 4 vezes “Mãe”, lembramos dos 4 pontos cardeais, todo o nosso ser é chamado a ser fecundado, a ser mãe, a gerar vida.
Aprendi que a mulher é como um cristal, frágil, mas ao mesmo tempo bela. Com a liberação feminista a mulher quis se transformar em ferro, ou seja, se igualar ao homem. Hoje vemos muitas mulheres que tem que provar que são ferro, e muitas vezes eu quis ser ferro. Na verdade um cristal precisa de um homem de ferro.
Quando aceitamos a nossa verdadeira identidade, aceitamos que somos frágeis, que somos cíclicas (relógio, todo mês). E o mundo quer nos dizer arranque sua menstruação (fique igual ao homem). Hoje o mundo quer dizer que todos somos iguais. Tudo isso faz com que tenhamos uma grande perversão na nossa identidade, e era isso que acontecia comigo.
Pude perceber que a minha identidade de mulher estava destruída, que vivi numa verdadeira bagunça interior, não me compreendia. A cura se deu quando pude perdoar o meu pai por não me aceitar por ser uma menina, e aceitar e deixar Deus Pai me amar, e me deixar proteger por Ele, aceitar o meu corpo e dar garças a Deus por ser mulher, por Deus ter me criado mulher, aceitando os meus traços, órgãos e minha feminilidade.
Aceitar as variações que o meu corpo tem todo mês, e que há momentos que não me sinto disponível, nem para os outros e nem para Deus! Assim me reconheço frágil e me deixo abrigar e amar. E ao reconhecer que sou cristal, na minha casa, passei a ser mãe de verdade. Hoje estou mais presente na educação das minhas filhas, levo o evangelho e a presença de Deus como a luz da minha casa. Faço todas as coisas sem murmuração. Com meu esposo nem se fala, ele diz que tem uma nova mulher.
Pude constatar a cura da minha identidade com uma oração muito simples, quando dizia para Deus que aceitava, por Ele ter me criado mulher e dando graças a Ele por me ter feito de modo tão maravilhoso, o salmo 138 me ajudou nesse processo de cura, fui recriada com essa palavra.
A segunda graça que recebi foi a da dignidade Batismal. Tive mais consciência que esse corpo que Deus me deu de mulher é templo do Espírito Santo. Que sou filha amada, em quem Deus põe toda a sua afeição (Mt 3,17).
Como Catarina de Sena, pude perceber que ao receber o batismo, o Senhor nos dá um brasão, nos devolve a dignidade de filhos, que sou selada com o Espírito Santo (Rom 8,15). Tenho dons para serviço dos meus irmãos mais pobres. Tudo isso me fez me sentir muito digna.
E ao receber essa dignidade de filha de Deus, o próprio de Deus me dá três capacidades: 1) A de amar, dentro de mim tem uma fonte inesgotável de amor. 2) Tenho a capacidade de relação, ou seja, de ensinar a amar, e 3) capacidade de desejo (desejo do céu). Que no fundo da minha alma tem um sacrário com a presença de Deus que é inviolável, nem o demônio pode penetrar, há uma “terra santa” dentro de mim, e sou chamada como mulher a levar esse sacrário, essa presença de Deus à humanidade. Como a Virgem Maria quero levar o seu povo onde Deus me enviar.
Louvo e agradeço a Deus por ter me escolhido e acolhido, como mulher, a levar a
sua palavra. “Em vós eu me apoiei desde que nasci; desde o seio materno sois o meu protetor, em vós eu sempre esperei. Mas vós tende sido o meu poderoso apoio.” (Sl 70, 6-7).
Curada posso servir melhor a Deus. E dentro da missão que trabalho hoje, a minha fecundidade se deu como mãe espiritual, hoje tenho vários filhos(as) e famílias sendo gerados no Evangelho de Jesus Cristo.
O Senhor fez em mim maravilhas.
Maria Helena Trevizani Pereira de Oliveira
Missionária Consagrada da Comunidade Católica Sagrada Família
Palmas/TO
sagradafamilia.palmas@sagradafamilia.org.br