É possível harmonizar os desejos sexuais?
Um casal de namorados equilibrado é aquele que busca viver as virtudes
Quando não encontramos o amor da nossa vida parecemos aquele violão lindo, de marca aclamada por todos, mas que está desafinado. Encontrar o amor de nossa vida é encontrar nossa harmonia, nossa afinação. O amor é o que nos fortalece, nos cura, nos faz inteiros, harmonizados, porém, existem alguns amores que nos fazem mal. São “amores-bombas”, prontos para explodirem e levarem consigo alguns “inocentes xonados”.
Além daqueles que sufocam a pessoa a ponto de impedí-la de viver, há aqueles outros amores não sabem curtir a vida sem exageros. Uns demais, outros de menos. Querem a felicidade mas acabam vivendo o desequilíbrio. O filósofo Josef Pieper quando fala das virtudes diz que a temperança (moderação) existe para defender-nos da auto-destruição.
Um casal de namorados equilibrado é aquele que busca viver as virtudes. Conselho dado não só pela Igreja, mas por muitos filósofos. Trago aqui a virtude da castidade ligada à temperança.
–“A temperança é a virtude moral que modera a atração pelos prazeres e procura o equilíbrio no uso dos bens criados. Assegura o domínio da vontade sobre os instintos e mantém os desejos dentro dos limites da honestidade. A pessoa temperante orienta para o bem seus apetites sensíveis, guarda uma santa discrição e “não se deixa levar a seguir as paixões do coração” (Eclo 5,2).
A temperança é muitas vezes louvada no Antigo Testamento: “Não te deixes levar por tuas paixões e refreia os teus desejos” (Eclo 18,30). No Novo Testamento é chamada “moderação” ou “sobriedade”. Devemos “viver com autodomínio, justiça e piedade neste mundo” (Tt 2,12). (Catecismo da Igreja Católica § 1809) —
A castidade é uma virtude humana que pode ser alcançada por nossas próprias forças racionais. Todo homem racional, cristão ou não, precisa viver a moderação, a temperança e conseqüentemente a castidade.
Castidade que não significa celibato, ou abstinência de sexo, mas harmonização dos impulsos sexuais, e amor por aquele que amamos. E para os cristãos-católicos o Catecismo nos lembra que ela “é também um dom de Deus, uma graça, um fruto da obra espiritual. […] As virtudes morais crescem pela educação, pelos atos deliberados e pela perseverança no esforço. A graça divina purifica e as eleva.” (CIC §2345; §1839)
Quem deseja encontrar a harmonia consigo mesmo deve se esforçar para alcançar o equilíbrio, mas não pode se esquecer de pedir o auxílio da graça de Deus.
A virtude da temperança leva o corpo e os nossos sentidos a encontrarem o justo lugar que lhes pertence no nosso ser humano. Basta reparar em alguém que, arrastado pelas suas paixões, delas se torna “vítima”, renunciando ele próprio ao uso da razão (como, por exemplo, um alcoolizado, um drogado). Verificamos então com evidência que
“ser homem” significa respeitar a própria dignidade e, por isso, em particular deixar-se guiar pela virtude da temperança. (João Paulo II – L’Osservatore Romano de 26-11-79)
João Paulo II neste mesmo artigo nos recorda a importância de manifestar as próprias emoções. Podemos chorar, podemos viver as alegrias da vida.
Não precisamos ser insensíveis para sermos virtuosos. Jesus 100% Deus, chorou, se angustiou, se alegrou, se irritou, foi 100% homem e por isso mesmo deixou que sua humanidade fosse vista por muitos. Não podemos ter medo de nossos sentimentos e desejos, temos que assumí-los diante dos outros pedindo sempre a graça da prudência e da temperança para que nunca percamos o equilíbrio que garantirá a nossa felicidade.
João Paulo II diz que “é necessário reconhecer que o homem não pode chegar a esta
espontaneidade madura, senão através de um trabalho intenso sobre si mesmo e uma especial “vigilância” sobre todo o seu comportamento. Nisto está de fato a virtude da “temperança”, da “sobriedade”.
Diante disso, é possível harmonizar os desejos sexuais?
É possível se entendermos que castidade não é mecanismo de fuga, alienação ou frustração sexual. Perceba bem que até agora estamos falando sempre de harmonização, equilíbrio, espontaneidade, alegria, que sempre acompanham a virtude. Alguém que diz viver as virtudes mas é alienado ou frustrado e se entrega aos mecanismos de fuga que sua própria pessoa cria ao longo dos dias, não é verdadeiramente casto, temperante,
ou prudente. Não confundamos castidade/pureza com ignorância sobre a maneira de se relacionar sexualmente ou ainda a ingenuidade para ver a malícia quando esta se escancara no mundo.
O impuro afasta de si a realidade. Qualquer olhar será considerado sensual e convidativo. Perde-se a noção de que existe amizade e a capacidade humana de manter uma teia de relacionamentos que não são os sexuais, mas os afetivos. E por isso viver na impureza não só afasta-nos de Deus, mas é causa de uma alienação tão grande capaz de nos distanciar dos amigos, e de nós mesmos.
Abandonando a originalidade, abandonamos nossa origem e nos perdemos. Um homem perdido e orgulhoso nunca enxergará o caminho do retorno, não conseguirá voltar. Quem vive assim compromete também a maneira de avaliar o outro, pois ficará preso às suas impressões e a maneira que experimenta a vida. A sentença bíblica “Tudo é puro para os que são puros” evidencia esta verdade. Criticar/rotular alguém que deseja viver
a castidade é uma maneira inconsciente de revelar a sua própria fraqueza e impureza. O outro é um espelho. Freud diz que “Quando Pedro fala de Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo”. A pureza nos cura dessa cegueira.
A temperança nos livra da auto-destruição.
Diego Fernandes