O que o Papa disse e o que ele não disse
Muito a vontade para falar de diversas temas e assuntos, o Papa conversou com profundidade e liberdade sobre todas as questões que lhe foram colocadas. Quem leu a entrevista na íntegra e conhecendo a forma como Francisco vem conduzido o seu Pontificado pode saborear o bom senso, a profunda espiritualidade e o caminho de renovação interior que ele enxerga para a Igreja, o seu pontificado e os temas mais controversos para a própria Evangelização.
Infelizmente, muita gente se deteve em artigos, comentários sobre a entrevista e não tomaram conhecimento da íntegra da entrevista e de todo o contexto em que o Papa abordou os diversos assuntos.
A primeira coisa a ser dita é que o próprio Francisco não fez nenhum pronunciamento oficial, sobre nenhum ponto da doutrina ou da moral da Igreja. Ainda que o Santo Padre sinta-se muito a vontade para falar sobre a maneira como ele encara as diversas realidades do tempo presente, os assuntos são sempre vistos de um ponto de vista pastoral e de espiritualidade. O Papa mesmo diz que a doutrina da Igreja sobre os diversos assuntos já é bem conhecida de todos e que ele não vai insistir naquilo que todos já sabem, o que ensina e pensa a Igreja.
Do ponto de vista pastoral, os pronunciamentos de Francisco têm sido uma chamada de atenção para uma revisão de postura da Igreja, dos pastores e dos agentes de pastorais, quanto à maneira de tratar e de lidar com o ser humano. Ele não apresenta nada de novo, mas chama a atenção para uma prática pastoral onde a pessoa humana precisa ser vista com o amor e com o cuidado que ela merece.
O Papa tem insistido na necessidade de acontecer, o mais urgente possível em toda a Igreja, a pastoral da Misericórdia. Nesta entrevista ele compara a Igreja a um hospital de campanha depois de uma batalha. São muitos os feridos e os machucados no mundo de hoje. É dever da Igreja oferecer acolhimento, ternura e cuidado com as feridas que cada pessoa humana tem no seu coração. Neste ponto, Francisco chama a atenção para que o pastor não se preocupe primeiro em anunciar a doutrina, os dogmas e as exigências da fé. O primeiro desafio é cuidar da ferida, dos machucados e levar cada um a entender o quanto é amado e o quanto a mensagem de Jesus salva e liberta.
O Papa afirma que a Igreja precisa ser mãe e pastora e a exemplo do bom samaritano é seu dever cuidar dos ferimentos, chagas e dores dos seus filhos. Acolher a pessoa humana é mais importante do que doutriná-la e ensinar preceitos. Primeiro se ama, se cuida e depois se ensina a viver. O homossexual, a mulher que aborta, o casal em uma segunda união ou qualquer grupo de pessoas que se sentem machucadas ou não acolhidas pela própria Igreja, por causa de suas escolhas, ele, a pessoa humana é muito mais importante que qualquer escolha que ele possa ter feito.
A Igreja pode ensinar caminhos e apontar a salvação, mas jamais deve interferir nas escolhas pessoais que cada um faz. Não cabe a Igreja tornar o fardo destas pessoas mais pesados, mas sim acompanhá-las em sua caminhada. Acompanhar com amor, com misericórdia, mostrando a face bondosa de Deus.
Em nenhum momento Francisco se ocupa em questionar a qualquer ponto da doutrina da Igreja, ao contrário fez questão de reafirmar que ele é um filho da Igreja, e como filho ele se faz servo de tudo aquilo que ensina e prega a Igreja.
A preocupação de Francisco não é com o conteúdo da doutrina mas com os destinatários da mesma. Maior do que qualquer ensinamento da própria Igreja é Deus autor de toda criatura humana. A Igreja deve estar mais preocupada em aproximar o ser humano de Deus e não tornar Deus mais distante do seu ser humano, dos seus dramas, sofrimentos e contradições. Francisco se mostra apaixonado por Deus, pela Igreja, pelo ser humano e não obcecado por dogmatismos e controvérsias doutrinárias.
Jornalista e membro da Com. Canção Nova