A História do Sudário
Escrito por Elbson Araujo do Carmo
O evangelista João conta que Nicodemos e José de Arimatéia pegaram o corpo de Jesus e o envolveram, com perfumes, em faixas de linho, do modo como os judeus costumavam sepultar (Jo 19, 38-40). Mateus diz que José de Arimatéia tomou o corpo de Jesus e o envolveu num lençol limpo, colocando-o num túmulo novo (Mt 27,29-60). Marcos e Lucas referem-se ao fato, usando a expressão ‘envolveu-o no lençol’ (Mc 15,46; Lc 23,53).
O Santo Sudário, ao longo de quase dois mil anos, passando por vicissitudes, percorreu extenso caminho. De Jerusalém, fugindo da perseguição, os primeiros cristãos o levaram para a cidade de Edessa, hoje sul da Turquia. Depois de vários séculos passou para Constantinopla atravessando o interior da Turquia, onde ficou até 1204, sendo então levado pelos Cruzados até Paris. Em 1453 chega à Chambéry, sul da França, como legado dos Duques de Savóia, de cuja casa saíram os reis da Itália. Em 1532, ocorre um incêndio na Capela do Castelo de Chambéry, onde o Sudário estava encerrado numa caixa de prata, sofrendo várias danificações que são as manchas brancas verticais que se percebe ao longo do corpo. As partes queimadas foram corrigidas por remendos feitos pelas Irmãs Clarissas, em forma de triângulos imperfeitos ou de U maiúsculo. Observam-se também as manchas de água ao se apagar o incêndio. Em 1578 uma peste assola a Europa. O arcebispo de Milão, Carlos Borromeu, faz a promessa de ir a pé até Chambéry em sinal de penitência e suplicando pelo término da peste. Para facilitar ao arcebispo o cumprimento do voto, o Duque Emanuel Phillibert, da família Savóia, leva o Sudário à Turim, onde se encontra até hoje, guardado em caixa forte com alarmes eletrônicos. Em 1983, o ex-rei Humberto da Itália transferiu os seus direitos sobre o Sudário ao Vaticano.
Mistério
Durante exposição, em 1898, o fotógrafo amador e advogado Secondo Pia fotografou pela primeira vez o Sudário. Ao revelar o filme, percebeu que as impressões do corpo começaram a assumir nitidez e profundidade inesperadas. A imagem foi impressa, inexplicavelmente, em negativo, ou seja, as partes sombrias tornaram-se claras e as luminosas, escuras. Nenhum artista poderia tê-la pintado assim. A partir daquela descoberta casual seguiram-se muitos estudos e exames fotográficos, fotométricos, radiológicos, químicos e médico-legais. A ciência apurou que não se trata de uma pintura, que as manchas de sangue contêm verdadeiro sangue humano, e que as feridas do corpo martirizado atestam uma crucificação romana.
Para os cientistas, o Sudário é um mistério, pois as impressões daquele Homem estão gravadas em negativo com efeito tridimensional, enquanto as manchas de sangue são gravadas em positivo. Seguramente o lençol envolveu o cadáver de um homem martirizado, flagelado, coroado de espinhos, crucificado com cravos, com o lado traspassado, apresentando escoriações no joelho esquerdo, causado por queda, feridas, inchaços, sangue coagulado no rosto, septo nasal quebrado…
Existem muitas coincidências entre as narrações dos Evangelhos e a imagem do Sudário, razão pela qual a piedade cristã viu nele um testemunho da paixão e morte de Jesus. O pesquisador Luigi Gonella, consultor científico do Cardeal Anastácio Ballestrero, ex-arcebispo de Turim, afirma: ‘A ciência jamais poderá demonstrar que o homem do Sudário seja Jesus Cristo, uma vez que não existe um registro em arquivo algum que possa confirmar tal identidade. A ciência diz apenas que é extremamente provável que se trate de Jesus, dado o número impressionante de coincidências com os relatos de sua paixão no Novo Testamento.’
PRINCIPAIS DATAS HISTÓRICAS EM RELAÇÃO AO SUDÁRIO
30 d.C. – O corpo de Jesus é depositado no sepulcro e envolto ‘num pano de linho branco’. Na manhã de Páscoa, o lençol é encontrado vazio (Jo 20,5-6).
Século II – Chega a Edessa (hoje Urfa, na Turquia) uma imagem em tecido do rosto de Jesus.
525 – Durante os trabalhos de restauração da igreja de Santa Sofia de Edessa, descobre-se a imagem do rosto de Jesus chamada mandylion (lenço). É uma imagem extraordinária, ‘não feita por mãos humanas’. (identificável com o Sudário dobrado de modo a permitir ver só o rosto).
944 – Os exércitos bizantinos, durante uma campanha contra o sultanato árabe de Edessa, entram na posse do mandylion e o levam solenemente para Constantinopla, em 16 de agosto. Lá se constata que, na realidade, tratava-se do Sudário dobrado.
1147 – Luís VII, rei da França, venera o Sudário durante sua visita a Constantinopla.
1171 – Manuel I Comneno mostra a Amalrico, rei dos latinos de Jerusalém, as relíquias da paixão, entre as quais o Sudário.
1204 – Robert de Clary, cronista da IV cruzada, escreve que o Sudário desapareceu de Constantinopla. É provável que o temor da excomunhão, prevista para os ladrões de relíquias, tenha provocado a sua ocultação.
1314 – Os templários, ordem de cavaleiros cruzados, são queimados como hereges, acusados também de culto secreto a um ‘Rosto’ que parece reprodução do Sudário. Um deles se chamava Geoffroy de Charny.
1356 – Geoffroy de Charny, cavaleiro cruzado homônimo do anterior, entrega o Sudário aos cônegos de Lirey, em Troyes, na França. O precioso tecido estava com ele ao menos há três anos.
1389 – Pierre d’Arcis, bispo de Troyes, proíbe a exposição do Sudário.
1390 – Clemente VII, antipapa de Avinhão, trata do sudário em duas bulas.
1453 – Marguerite de Charny, descendente de Geoffroy, cede o lençol a Ana de Lusignano, esposa do duque Ludovico de Sabóia, que o guarda em Chambéry.
1506 – O papa Júlio II aprova a missa e o ofício do Sudário, permitindo a sua veneração pública.
1532 – Incêndio em Chambéry, na noite de 3 para 4 de dezembro. Um lado incandescente da urna de prata que continha o Sudário queima o tecido ao longo das dobras; algumas gotas de metal fundido atravessam as várias camadas. Dois anos depois, as clarissas costuram os remendos.
1535 – Por motivos de guerra, o lençol é transferido para Turim e, depois, para Vercelli, Milão, Nice e novamente Vercelli onde permanece até 1561, quando é levado de volta para Chambéry.
1578 – Emanuel Filiberto leva o Sudário para Turim, para abreviar a viagem de São Carlos Borromeu, que queria venerá-lo, em cumprimento de um voto. Exposições por ocasião de certas celebrações da casa de Sabóia ou de jubileus se sucedem de trinta em trinta anos.
1694 – Em 1º de junho o Sudário é posto definitivamente na capela construída pelo arquiteto Guarino Guarini, anexa à catedral de Turim. Nesse ano, o bem-aventurado Sebastiano Valfrè reforça os remendos e as cerziduras.
1898 – Primeira fotografia, feita por Secondo Pia entre 25 e 28 de maio. A emocionante descoberta do negativo fotográfico revela com incrível precisão a figura do Homem do Sudário. Iniciam-se estudos e pesquisas, especialmente médico-legais.
1931 – Durante a exposição por ocasião do matrimônio de Umberto de Sabóia, o Sudário é fotografado novamente por Giusepe Enrie, fotógrafo profissional.
1933 – Exposição em comemoração do XIX Centenário da Redenção.
1939 – 1946 – Durante a Segunda Guerra Mundial, o sudário é escondido na abadia de Montevergine (Avellino).
1969 – De 16 a 18 de junho é feito um reconhecimento da relíquia por uma comissão de estudos nomeada pelo Cardeal Michele Pelegrino. Primeiras fotografias em cores, feitas por Giovanni Battista Judica Cordiglia.
1973 – Primeira exposição pela televisão (23 de novembro)
1978 – Celebração do IV centenário da transladação do Sudário de Chambéry para Turim, com exposição pública, de 26 de agosto a 8 de outubro, e congresso internacional de estudos. Nessa ocasião, muitos artistas italianos e estrangeiros, na maioria americanos, durante cento e vinte horas consecutivas, efetuam medidas e análises da relíquia para realizar uma pesquisa científica multidisciplinar.
1980 – Em 13 de abril, exposição particular para o Santo Padre João Paulo II.
1983 – Em 18 de março morre Umberto II de Sabóia; em testamento, doa o Sudário à Santa Sé. Por decisão do Papa, a relíquia continua em Turim e é confiada à guarda do cardeal-arcebispo Anastásio Ballestrero.
1988 – É retirado do Santo Sudário um pedaço como amostra para ser submetido à datação pelo método do Carbono 14. Com base nesta análise, o Sudário seria da Idade Média, atribuído a um período entre 1260 e 1390 d.C. As modalidades da operação e a confiabilidade do método para tecidos contaminados como o Sudário não são consideradas válidas por muitos estudiosos. Em 1995, o cientista russo Dmitri Kouznetsov demonstra experimentalmente o que já havia firmado num congresso realizado em Roma, em 1993, isto é, que o incêndio de 1532 modificou a quantidade de carbono radioativo presente no Sudário, alterando sua dataçào, que pode ser do século I d.C.
1992 – Em 7 de setembro, efetua-se um reconhecimento do tecido pelos peritos convidados, a fim de sugerirem iniciativas e providências apropriadas para garantir melhor a sua conservação.
1993 – Em 24 de fevereiro, o Sudário é transferido temporariamente para trás do altar-mor da catedral de Turim, para que se realizassem os trabalhos de restauração da capela de Guarini.
1995 – O cardeal Giovanni Saldarini, arcebispo de Turim e curador do Sudário, anuncia duas exposições: uma, em 1998, para comemora o centenário da primeira fotografia, e a outra, em 2000, para a celebração do Jubileu.
1997 – Na noite de 11 para 12 de abril de 1997 um incêndio causa danos gravíssimos à capela do Sudário, e se alastra pelo interior da catedral. Os bombeiros foram obrigados a quebrar o vidro à prova de bala para salvar o Sudário. No dia 14 de abril uma comissão de peritos, composta também pelo cardeal Giovanni Saldarini, examinou o estado do lençol. Constatou-se que não houve nenhuma danificação, e o cardeal confirmou as exposições programadas para 1998 e para o ano 2000.
1998 – De 18 de abril a 14 de junho de 1998 o Sudário foi exposto em Turim, na celebração do qüinquagésimo aniversário da congregação da Catedral de Turim e do primeiro centenário da exposição de 1898, por ocasião da qual foi feita a primeira fotografia, que contribuiu de forma determinante para o encaminhamento das pesquisas científicas sobre o Sudário.
2000 – A exposição do Sudário de Turim no ano 2000, de 29 de abril a 11 de junho, quer oferecer uma ocasião especial de santificação do Jubileu dos 2000 anos do nascimento de Jesus com uma peregrinação penitencial.
Sobre o sentido das exposições o Cardeal Saldarini, curador do Sudário, diz: ‘As exposições surgem da natureza religiosa e da história. Nesse lençol bendito vêem-se imagens que lembram com uma eficácia excepcional o mistério inefável de nossa redenção, em particular a paixão de Jesus. A exposição pública tem a finalidade de oferecer ao homem de hoje um amplificador do anúncio da salvação, que vem só do Senhor Jesus, de seu amor. Há séculos essa mensagem tem produzido frutos de conversão e de santidade. Nas próximas exposições, pediremos ao Senhor que nos conceda os mesmos frutos com abundância. Também a mensagem do Sudário pode participar da nova evangelização, para a qual o papa chama a atenção muitas vezes. Estou convencido de que essa mensagem tem uma modernidade particular por causa de sua natureza de imagem a ser contemplada. Em nenhuma das épocas precedentes a notícia transmitida pelas imagens influiu tanto na informação e nos comportamentos. As experiências pastorais acumuladas especialmente nos últimos anos confirmam o quanto as pessoas são sensíveis ao anúncio desse testemunho mudo.’