Aborto “permitido” pelo Código Penal?
Interrogado acerca do aborto, Geraldo Alckmin assim respondeu:
Prezado Pe. Luiz Carlos Lodi,
Gostaria de agradecer a mensagem onde trata de uma questão importante que mobiliza tanto as pessoas, a questão da interrupção provocada de uma gravidez. Sou católico e médico de formação, e posso lhe adiantar que eu, pessoalmente, não sou favorável à prática do aborto.
Mas considero que, antes de ser um crime ou uma questão religiosa, tratamos, basicamente, de uma questão de consciência. Há os casos autorizados pelo Código Penal brasileiro e, nesses casos, a ação do Ministério da Saúde não pode ser outra que seguir a lei e dar condições de segurança ao procedimento, protegendo a saúde da mulher brasileira que, ao amparo da legislação em vigor, toma a decisão íntima de não prosseguir com a sua gravidez.[1] (grifos nossos)
A resposta de Geraldo Alckmin indica que, do ponto de vista jurídico, ele não está bem assessorado. Há alguns erros graves, como:
“Há os casos autorizados pelo Código Penal brasileiro…”
Ora, o Código Penal não é um código de direitos, mas de crimes. Todas as condutas lá descritas são delituosas, a menos que se diga explicitamente o contrário.
O artigo 128 do Código Penal elenca duas hipóteses em que “não se pune” (eis as palavras da lei) o aborto: se não há outro meio – que não o aborto – para salvar a vida da gestante; e se a gravidez resulta de estupro.
Em ambos os casos, o aborto continua sendo crime. Aliás, o Código não diz “não constitui crime”, mas tão-somente “não se pune”.
Portanto, o médico que praticar aborto em tais hipóteses comete crime. Ocorre que a lei nem sempre aplica pena a um crime já cometido. A lei não pune, por exemplo, o furto já praticado entre ascendente e descendente, ou entre cônjuges (art. 181, CP). Não se trata de um furto legal. O crime permanece. Desaparece a pena, por razões de política criminal.
Aliás, são vários os casos em que, um crime, sem deixar de ser crime, fica isento de pena. O pai que, por falta de cuidado, dispara acidentalmente uma arma contra o filho, causando-lhe a morte, comete homicídio culposo. Trata-se de um crime. No entanto, em virtude do perdão judicial (art. 121, § 5° do Código Penal), o juiz poderá deixar de aplicar a pena a esse pai infeliz, que já sofre tanto pela morte do filho. O crime permanece. Desaparece a pena.
Aquele que ajuda um criminoso a fugir da polícia, comete crime de favorecimento pessoal (art. 348, CP). No entanto, se quem presta auxílio é ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do criminoso, fica isento de pena (art. 348, §2°, CP).
Assim, o Código Penal pode dizer que certos atentados contra a vida humana, como o aborto, em certas condições, ficam isentos de pena, após o fato já consumado. Mas de modo algum, o Código Penal pode dar permissão prévia para abortar.
Logo, na ordem jurídica brasileira, não existe caso algum de um direito ao aborto. E nem poderia existir. Se o Código Penal, em seu art. 128, dissesse que algum aborto é “permitido” ou “lícito” estaria fulminado de inconstitucionalidade.
Isso porque a Constituição Federal assegura, em seu art. 5°, caput, a inviolabilidade do direito à vida.
Logo, não há casos de aborto autorizados pelo Código Penal brasileiro.
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Há ainda um outro erro jurídico grave:
“… nesses casos, a ação do Ministério da Saúde não pode ser outra que seguir a lei e dar condições de segurança ao procedimento [abortivo]…”
Suponhamos — apenas para argumentar — que a nossa Constituição não protegesse a vida humana e que uma lei ordinária, como o Código Penal, pudesse dizer que, em algum caso, o aborto é “permitido”.
Ainda assim, o Ministério da Saúde estaria muito longe de dizer que é “obrigado” a favorecer tais abortos com o dinheiro público.
Pois nem tudo o que é lícito fazer é desejável pelo Estado que se faça.
Por exemplo: fumar é lícito. No entanto, seria absurdo que o Ministério da Saúde, baseado nessa licitude, lançasse uma campanha de fomento ao tabagismo, ou ao “fumo legal”.
Pelo contrário: o Ministério da Saúde gasta dinheiro, não para estimular, mas para combater o fumo, mesmo não sendo ele proibido por lei.
Mas, se o Estado usasse o dinheiro público para financiar uma campanha pró-tabagismo, cometeria um absurdo menor do que o que comete ao usar o dinheiro público para favorecer o aborto no SUS.
Pois o tabagismo é um mal imensamente menor do que o aborto, que é um assassinato de um inocente e um indefeso.
Logo, mesmo que houvesse um aborto legal no Brasil (o que não há), seria dever do Estado não favorecê-lo.
Convém lembrar que para o administrador, não é permitido fazer qualquer coisa que a lei não proíba. Isso só vale para o particular (art. 5°, II, CF).
O administrador só pode fazer o que a lei expressamente autoriza (art. 37, CF). E como não há lei dizendo que o Estado deve fazer aborto, o administrador não tem o direito de praticá-lo.
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O exposto acima não é uma invenção minha. É a doutrina de eminentes juristas, entre os quais Walter Moraes, Ricardo Dip, Jaques Penteado, Vicente Amadei, Paulo de Tarso Machado Brandão, Maria Helena Diniz, e ainda, Ives Gandra Martins.
Trata-se de uma questão de bom senso, aliado a um mínimo de cultura jurídica.
Por que então, o Ministro José Serra editou a Norma Técnica “Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes”, em novembro de 1998, ato este que oficializou a prática do aborto pelo SUS?
Simplesmente porque ele quis.
Não era obrigado a assinar tal Norma, assim como não a assinaram seus antecessores.
E, ao assinar, cometeu abuso de poder e desvio de finalidade. Pois, conforme pergunta Ricardo Dip, “se o aborto é crime, como pode o Estado atribuir-se a tarefa de cometê-lo?”.
O infeliz ato administrativo de José Serra foi seguido por outros piores, durante o governo Lula. De lá para cá, vêm-se multiplicando os hospitais públicos que fazem o “serviço” de matar crianças (o que não é tarefa do Ministério da Saúde).
A administração pública tem o direito – e o dever – de anular seus próprios atos, quando perceber que estão contaminados de ilegalidade, ou que não servem ao interesse público (Súmula 473, STF).
Anápolis, 12 de setembro de 2006.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Presidente do Pró-Vida de Anápolis