O rapaz falava-me com sinceridade. Acreditava que a mulher descrita por ele existia em algum canto da terra e que, um dia, ele a encontraria, para juntos viverem felizes para sempre. Ela seria bonita, rica, inteligente, carinhosa, emancipada, atenciosa e estaria pronta para satisfazer os seus desejos. Não seria ciumenta, porque o ciúme “desgasta a relação”, dizia ele.
Ele me fez pensar nessas coisas que parecem contos de fadas, desejos que se posicionam na diagonal da existência humana e que por isso não entram no curso natural dos acontecimentos. Não é horizonte, nem vértice. Sonhos que não se concretizam, porque na verdade não são sonhos, são meras ilusões.
Acredito que a origem das frustrações humanas está justamente na inadequação entre a ilusão e o real. Está no ato de desejar o que não existe, o que não se configura nem mesmo como possibilidade que possa ser construída aos poucos.
Incomoda-me essa desilusão amorosa que tem marcado os nossos dias. Não raras vezes, deparo-me com corações que se desprenderam de suas antigas seguranças, de lugares que representavam o amparo de uma vida toda e do sonho de serem felizes para sempre. À medida que a vida começou a ser real, descobriram que não amavam a realidade, e sim a ilusão. O amor deixou de ser eterno, porque a brutalidade da realidade desmoronou a ilusão. Passou-se a perceber o antes oculto, o pouco mostrado, o omitido. Com isso, foram por terra as máscaras e os papéis. Sobraram os atores sem o auxílio das maquiagens e refletores, e, nesse momento, eles se olharam e reconheceram: “Somos só isso, nada mais!”. Eu ser só isso não lhe basta, eu sei. Perdoe-me por não corresponder à ilusão que tinha a meu respeito. Não era amor o que sentíamos, porque é impossível amar aquilo que não se conhece.
O mito do amor
Ao final de tudo, o perdão e a despedida. Procurarão outros lugares para acomodarem suas bagagens, outros portos para que possam ancorar suas expectativas, palcos onde representarão o duro papel de amar o que não existe, cultivar o que não é real.
Encontros e despedidas. Um eterno e temporário chegar e partir, um constante sentir-se apaixonado que sempre se esvai com o final da tarde.
Há que se refazer os conceitos que temos acerca do amor e das paixões temporárias. Não é possível continuar sob a prisão que o mito do amor, medieval e amórfico, não faz amadurecer o coração humano, ao contrário, ele o aprisiona na imaturidade relacional que exige que o outro seja a satisfação dos seus anseios e desejos mais profundos. Esse modelo de amor, tão proclamado pelas produções hollywoodianas, que na verdade é a atualização dos contos de fadas para os dias de hoje, não compreende o amor como instância aberta para as precariedades da existência humana, e, por isso, o condiciona a uma realidade utópica e sem aplicação prática, concreta. Distancia o amor de tudo o que é precário, quando fora do precário, do falível e do imperfeito o ser humano deixa de ser real e torna-se ilusório.
Uma pessoa só pode se sentir verdadeiramente amada depois de ter sido conhecida e acolhida, a partir daquilo que tem de melhor e também daquilo que tem de pior. Só assim o coração descansa, porque já não precisa representar mais nada. Ele apenas é o que pode. Nada mais. Todo e qualquer aperfeiçoamento brotará desse acolhimento que o coração amante lhe proporcionou.
É por isso que
o amor de Deus é redentor. Nele não existem expectativas, mas prevalece a serena espera, própria de quem sabe amar.
PE FABIO DE MELO